6 de fevereiro de 2010

o lóbulo frontal direito

nota: foto de Diana Luganski. click para ampliar

Uma filigrana de vidro finíssimo protege o coração dos apaixonados. No espaço que medeia entre o coração e o vidro está a respiração da esperança. Este coração, o coração que fica suspenso em linhas de pesca transparentes e que balança quando o outro chora, é o coração que oferece a cor ao resto do corpo. Os olhos são azuis não por qualquer desígnio genético mas porque, e acima de tudo, se sentem azuis bem fundo lá no peito. Não existem cores independentes.

Joaquina não misturava cores primárias com secundárias e tinha sido a melhor aluna de Francês do Liceu Camões. Os seus olhos eram castanhos, ponto. As coisas batiam certo. Usava vestidos de cetim rematados a cambraia. Casou com o Alberto, advogado bem posto que gostava dela assim-assim . Assim-assim o suficiente para terem dois filhos nos três primeiros anos desse casamento regularíssimo, bem engomado.

Um dia certo perfume de fêmea serviu de tesoura. Um odor que se tornou suficientemente metálico para se intrometer no tórax. O coração de Joaquina ficou suspenso numa diagonal desconfortável ao peito da dona, mas bem conhecida da literatura clássica. Todas as cores se soltaram.

Os olhos castanhos continuaram, agora enevoados. Mas ao lóbulo frontal direito - aquele distrito cinzento do cérebro que determina se somos anjinhos ou ressabiados – calhou o Vermelho.

Joaquina, a aprumada. Joaquina, a engomada. Joaquina, a asseada. Joaquina, a impecável. Joaquina, a contida. Joaquina, a dos epítetos suficientes. Joaquina era agora uma mulher cujas cãs se transferiram com o vermelho para o lóbulo frontal direito, formando aquilo que, sem dúvida, era a aparição de uma tela “terrível” do de Kooning.

Joaquina passou a comer a horas indecentes, e a gostar de carne mal passada.

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